O ano em que eu dancei

Débora Rubin
4 min readApr 11, 2024

Quando acabei o Ensino Médio, que a gente ainda chamava de colegial, eu não entrei direto na faculdade. De modo que 1997 se tornou o ano em que eu não dei o primeiro passo para o meu sonho de ser jornalista — 1997 foi o ano em que eu dancei. Dancei forró. E muito. Sabendo que ia ter que ficar um ano fazendo cursinho — baita coisa chata — , e conhecedora da péssima situação financeira dos meus pais naquele tenebroso final dos anos 1990, eu decidi começar o cursinho só em maio e me dei quatro meses de férias. Ou, melhor, de imersão no estilo que eu mais amo dançar.

Claro que, para isso, fui trabalhar. Fiz bico em papelaria, ajudei minha irmã com o trabalho dela e consegui um emprego de alguns meses nas Lojas Renner, meu primeiro registro em carteira, R$ 1,45 a hora de trabalho (não me efetivaram — eu reclamava demais e me recusava a vender o cartão da loja para os clientes).

Naquele ano, o chamado forró universitário já estava bombando em São Paulo. Basicamente em Pinheiros, na verdade. De janeiro a abril, minha rotina era ir umas três vezes por semana em algumas das muitas casas de forró. Tinha o dia do Remelexo, do Projeto Equilíbrio, Vento Forte. Depois vieram KVA, Canto da Ema (que ainda existe!) e outros que nem me lembro. Eu ainda não tinha 18, não dirigia, e não tinha grana para ficar pagando táxi até o bairro longínquo que eu morava — eles metiam a faca porque era quase Osasco. Mas tinha a sorte de ter amigas que moravam em Pinheiros e, de vez em quando, esperava dar 4h da madrugada para voltar de busão mesmo (meu anjo da guarda era bem ativo naquele tempo).

Não achei nenhuma foto minha de 1997 que prestasse. Mas essa de janeiro de 1998, com a minha irmã Marri, é bem representativa daquele momento. Era assim que eu ia pros forrós: brusinha, sandalinha baixa, e no lugar da calça, saias que rodavam comigo (Marri muito musa).

Tinha opções de quarta a domingo, mas eu não podia me dar a esse luxo, mesmo que a entrada fosse barata. Mesmo assim, eu ia um tanto! Tanto que aprendi rápido os passos e virei uma super forrozeira em pouco tempo. Se o vestibular fosse para ser dançarina de forró no final do ano, seria aprovada com louvor.

Uma das coisas mais legais daquele movimento era que a coisa acontecia toda de uma forma meio orgânica. As pessoas já se conheciam e a gente já sabia como fulano e ciclano dançavam. Como todo mundo se via o tempo todo, existia um certo respeito dos homens e, num tempo em que feminismo era palavrão, dava para dançar juntinho sem sofrer assédio. Claro que de vez em quando caía um forasteiro de paraquedas e tentava uma mão boba… Não durava muito.

E tinha homem pra-ca-ram-ba! Ao contrário dos bailes da vida, onde homem é escassez (fiquei sabendo que hoje em dia você pode contratar seu próprio personal dancer, que triste!), lá era oferta. Nem todos sabiam conduzir, mas vá lá, eram super esforçados e animados.

Depois desse sabático entre a vida de adolescente e as agruras da vida adulta, segui o fio: fiz o cursinho popular com o dinheiro dos meus bicos, entrei na PUC e minha mãe me mandou arranjar um emprego, virei bancária aos 19 anos para pagar a faculdade, conseguir um estágio no Estadão e o resto é (a minha) história.

Continuei dançando forró ainda um bom tempo, mas sem aquela agenda semanal. Arranjei um namorado no forró, inclusive. Com ele, no ano seguinte, fomos até Caraíva, no sul da Bahia, de carro. E antes paramos para conhecer Itaúnas, a meca dos forrozeiros sulistas daquele momento.

O único registro que sobrou da viagem a Caraíva (escrito errado na foto). Meu ex deve ter ficado com as outras.

Passei duas décadas tentando voltar a dançar, mas o forró saiu de moda. Vieram outras e agora samba de gafieira é o que enche as casas de Pinheiros. Hoje, morando no interior, achei uma aula de forró de graça! Não deixa de ser engraçado aprender o passo a passo só agora, tanto tempo depois. É como se eu fosse aprender gramática depois de ter escrito tantos livros. Mas, embora enferrujada, é legal sentir que meu corpo ainda sabe dançar. Um dia, dançando com um dos raros caras que fazem aula (saudaaaade daquela oferta masculina que enchia o Remelexo!), ele disse:

-Você dança engraçado!

E eu respondi:

-É que eu dançava em outra era geológica e passei muitos anos congelada.

Olhando para trás, vejo que fui uma adolescente bem sábia em fazer do problema — não entrar na faculdade direto — uma deliciosa pausa no ramerrame da existência. Que bom que naquele ano eu dancei.

PS: achei essa matéria de 1998 sobre o boom do forró em São Paulo! Adorei voltar no tempo

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